quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Resenha de As Cidades Indizíveis




Sinopse:
Contos de Ficção Urbana, entre o real e o fantástico, entre o visível e o escondido, entre o conhecido e o indizível. Autores que transitam em mundos diferentes, encontrando-se em uma encruzilhada entre a literatura mainstream e a de gênero. Lugares sombrios e alegres, que você conhece e que nunca ouviu falar. Para visitá-los, não precisa passaporte, apenas abrir este volume. skoob

"As Cidades Indizíveis" (antologia organizada por Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira) é um livro que li com atenção especial, não só por ter sido presente de uma pessoa muito especial (um suvenir trazido para mim em meio às aventuras dela na XV Bienal do Livro do Rio), mas por englobar dois de meus assuntos preferidos: ficção-científica (Sci-Fi) e fantasia. É um livro com narrativas muito variadas, das mais simples às mais complexas, da linguagem mais trabalhada a mais coloquial, onde o único elemento em comum é a importância da cidade. Devido à sua variedade, pode ser difícil para um leitor se identificar com toda esta obra, mas, para aqueles que, como eu, gostam de Sci-Fi e/ou fantasia, é uma opção de leitura agradável.

GALIMATAR
de Fábio Fernandes

Em meados do segundo milênio, na cidade cosmopolita de Adis Abeba, Xamanesa utiliza a linguagem alimentar "Galimatar" para contar sua história ao Homem Azul. Isso descreve superficialmente a estória muito bem narrada imersa em um mundo muito mais complexo do que um conto é capaz de expor. Este trabalho incita o leitor a procurar as demais obras deste escritor, principalmente se elas tratarem dos personagens tratados neste conto.

CÉU DO NUNCA
de Guilherme Kujawaski

Em um apartamento na cidade de Ocidente, um escritor do universo fantástico busca inspiração para sua obra. Nesta busca, seus pensamentos são meticulosamente descritos, expondo sua criatividade e sua crença quanto à inspiração, onde um bloqueio criativo pode confrontá-lo com um grande dilema. O modo como o texto flui, com termos muito bem escolhidos, reflete o processo criativo de uma pessoa muito culta, com um assunto servindo de ponto de partida para outros e, desta forma, guiando o personagem tanto para uma possível obra-prima quanto para uma obra inacabada.


O LONGO CAMINHO DE VOLTA
de Ana Cristina Rodrigues

Neste conto, Clio retorna de seu exílio para Biblos, a cidade biblioteca. Esta é uma cidade única devido à sua função de armazenamento central do conhecimento humano, à magia utilizada para proteger seus preciosos livros e às leis que regem seus habitantes. A autora trata muito bem do conflito entre os paradigmas tradicionais e idéias revolucionárias, principalmente com relação à crueldade decorrente dos medos da mudança e do desconhecido.

O DIA QUE VESÚVIA DESCOBRIU O AMOR
de Octávio Aragão

Neste conto (o mais curto da antologia), a cidade Vesúvia não é cenário, mas personagem. A determinação oriunda do desejo de se unir com sua paixão permite que Vesúvia mova-se, algo que ela não imaginava ser capaz. As consequências dessa jornada, do início ao destino, são muito bem descritas, assim como as divagações da recém consciente cidade em relação à si mesma.

HARMONIA
de Roberto de Sousa Causo

Em "Harmonia" (o mais extenso destes contos), Sandra, uma estudante que se divide entre seu trabalho e a universidade, se depara com a morte de Mônica, sua amiga e colega de quarto. As circunstâncias suspeitas desta morte motivam a estudante a investigar por conta própria a vida secreta de sua amiga e a descobrir um mundo que até então ela desconhecia. Apesar de ficar aquém de estórias policiais clássicas, a originalidade do mundo apresentado e o interessante desfecho da investigação compensam em muito qualquer ponto solto deixado ao longo de suas páginas.

PRIMEIRO DE ABRIL: CORPUS CHRISTI
de Luiz Bras

Defini-se uma edificação inteligente como aquela onde a tecnologia permite a automatização de suas funções básicas, como gerir o trânsito de pessoas dentro dela. Na cidade de "Primeiro de Abril" este conceito foi levado ao extremo, tornando-a uma "cidade inteligente". Porém, quando essa cidade evolui de "inteligente" para "consciente", as consequências são críticas para seus habitantes. A estória é narrada por um destes, que, entre comentários diversos, descreve o envio de mercenários para tentar resolver a crise na cidade  que se autodenominou de "Corpus Christi". Os mercenários, sempre tratados por seus codinomes, são descritos e enumerados ao longo da estória. O desfecho desta estória é o início de uma distopia já conhecida no universo Sci-Fi.

O COLETIVO
de Luís Henrique Pellanda

Este é um conto singular, por ser narrado simultaneamente por perspectivas distintas. No primeiro parágrafo, a narradora inicia o relato de uma cidade composta pelo que deixou de existir e habitada pelos que não mais vivem; no segundo, o narrador relata seu ponto de vista a respeito da primeira narradora. Os narradores vão se alternando de forma sucessiva, entre as descrições daquela, sobre a cidade, e os apontamentos dele, sobre sua conhecida.  A estória é contada com uma linguagem muito bem escolhida, permitindo ao leitor descobrir tanto sobre o mundo apresentado pela narradora quanto sobre o evento que abalou as relações de ambos os narradores.

MNEMOMÁQUINA
de Ronaldo Bressane

Este é o conto com a linguagem mais coloquial (e até, em alguns parágrafos, chula) dentre os demais. Nele, a estória refere-se basicamente aos pensamentos dos personagens Baby Gasoline e Zed Stein enquanto deslocam-se pela futurista e alagada "Cidade Olho". Na primeira parte, Gasoline observa o mundo a seu redor depois de emprestar sua barca a Stein. Na segunda parte, Zed procura descobrir o que faz, para onde vai, quem são as pessoas que ele encontra e, principalmente, quem ele é. Tratando-se, em grande parte, de diálogos internos, é muito bem escrito, onde o vocabulário e observações ajudam a compor os personagens e o ambiente, enquanto o leitor descobre o que, de fato, está acontecendo. Os personagens demonstram ter experiência e conhecimento muito maior do que a estória é capaz de expor e, ao final do conto, fica a sensação de que a estória poderia continuar.

CIDADE VAMPIRA (ENTIDADE URBANA)
de Fausto Fawcett

Nesta estória, dois investigadores perseguem “El Diablo”, um antigo colega que, de tanto entender a seita terrorista que investigou por anos, se uniu a ela. Neste mundo, as cidades se expandiram a ponto da Terra ter se transformado em uma única conurbação, definida pela referida “seita gnóstica” como uma "entidade vampira" que se alimenta da vida de seus habitantes. Ao longo da perseguição, os investigadores descobrem os vários esconderijos e métodos utilizados pela seita para exorcizar o mundo desta “cidade vampira”, começando pelo “cão que e El Diablo amassou”.

Este conto, que encerra a antologia, é o mais complicado do conjunto. Enquanto pude ler sem problemas, entre uma aula e outra, os contos anteriores, este último exigiu uma atenção maior devido, principalmente a seus extensos parágrafos. As sucessivas interrupções e a conversa de fundo, inerentes dos corredores de uma universidade, são suficientes para perder a linha de raciocínio. Entretanto, dedicar alguns minutos exclusivamente para este conto, vale à pena.


P. M. Zancan

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Um comentário:

  1. Querido, obrigada pelos comentários. Como editora da Llyr, além de autor da coletânea, é sempre um prazer ler um texto que realmente fale sobre o livro.

    O conto do Fausto é realmente o mais hermético, mas é uma delicia de se ler percebendo todas as construções loucas e as repetições que ele faz.

    Quanto ao meu, você acertou em cheio. Ele é uma reflexão sobre como produzimos, acumulamos, armazenamos e distribuimos conhecimento, as relações de poder que surgem disso e como as mudanças acontecem. Coisas de quem trabalha em biblioteca!

    Mais uma vez, obrigada!

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